sexta-feira, 12 de junho de 2020

When all is said and done.



É muito fácil distrair-se com o que é familiar. Mesmo com o coração partido, mesmo com a dor dos erros, a necessidade de interação por fatores além do relacionamento a dois propicia um contato frequente. Assim sendo, rapidamente o rosto trai com um sorriso de canto ao falar sobre qualquer minúcia ou piada interna. A mente então faz lembrar e aperta o peito com mãos que dizem "cuidado". É triste, a gente não quer sofrer e perder aquilo que era tão familiar e natural. Como deitar na cama e levantar o pescoço para que o outro coloque o braço embaixo enquanto se encosta e aconchega como um gato. É ter na ponta da língua as respostas automáticas para as frases de costume, mas sentir o sal pela mordida ao invés de ouvir a risada que faria parte do ritual. É sangrar sem ter ferida, é chorar sem ter medida. É mais um caso de membro fantasma, onde sente-se tudo mesmo após a amputação. Mesmo que meu corpo esteja inteiro, minha alma discorda.

terça-feira, 10 de setembro de 2019

Comeback

Ouvi recentemente que os blogs estão mortos e pertencem ao passado. Dito isto, resolvi recuperar meu caderno virtual, simplesmente porque ele ainda existe e porque eu ainda escrevo o mesmo tipo de porcaria.
Após cinco anos de ausência, retorno com um texto nascido em 2015 sobre notívagos e seus hábitos.
Não há pretensões senão o desabafo, o despejar do produto do cansaço de alguém que não descansa há anos.


06/10/2015

O desespero da noite em tornar-se dia é tão amargo, exagerado. E eu bebo essa dor ritualisticamente desde que posso me lembrar. Na noite os amantes se encontram, tornam-se um e aos primeiros raios de sol rasgam-se ao meio em meio à partida inevitável, retornando aos seus lares vazios, cheios de rancor. Na noite os egos se inflamam, os elos se estreitam, cavaleiro e dama se misturam. O azul reveste-se e despede-se de seu tom, renascendo escarlate e dourado como uma verdadeira rainha. A rosa joga fora as pétalas, revela seus espinhos e sangra corações, inflamando-os de amor valente. A liberdade é cantada e dançada em uma energia conjunta única, possível somente no escuro, onde o sentir é moeda de troca e visão apenas enfeite no rosto. Mas ao amanhecer choram as almas, retornando ao fardo do ordinário, prisão com cadeias invisíveis feitas de indivisíveis conceitos ultrapassados, equivocados. O normal é diário, a noite é dos desajustados, orgulhosos por sua natureza bagunçada, verdadeira.
  A noite é um ser e deito nela, não pra dormir, não pra descansar. Misturo-me aos seus mistérios e me entrego sorridente aos seus desafios, seus caminhos cheios de pés cansados, pés amigos, pés sem correntes possibilitando a abertura das pernas, nascimento da verdade nua e crua, inocente cria da liberdade.
Vergonha é palavra desconhecida, tombada ao desuso. Resta a nós apenas a proeza da beleza indiscutível, individual e natural, desprovida do desnecessário olhar juiz. E eu recebo feliz o abraço apertado em uníssono dos amigos notívagos, abençoados com o dom do amor.

Quero me encharcar nas lágrimas noturnas, água de libertação, lago profundo e salgado com a dor causada pelo esconderijo necessário aos olhos diurnos e renascer pura, limpa, leve, verdadeira como somente a noite é capaz de conceber.

É chegado o alvorecer e o único vestígio da festa é o semblante dos filhos da noite, os anéis de compromisso visíveis ao redor dos olhos, a promessa do retornar aos braços receptivos de sua negra e amada mãe.

terça-feira, 13 de maio de 2014

O direito do delírio.



Deixa eu me amar, deixe-me viver! Deixa eu errar e me apaixonar de novo pela mesma pessoa. Deixa eu me olhar e me admirar mesmo com aquela marquinha da cama no rosto. Deixa eu pensar, me deixe dizer o tanto que sinto por você.
 Quero o direito do delírio, um refúgio da seriedade pra esquecer da saudade, da maldade e também dos dias de lágrimas.
 Deixa eu sorrir e me molhar na chuva. Deixa eu correr por aí e cair de cansaço em seus braços. Deixa eu olhar nos teus olhos e te seduzir com promessas de dias melhores. Deixa eu te amar. Deixa eu sentir a corda da liberdade apertando meu pescoço. Deixa eu crescer e encolher sem precisar escolher ser grande ou pequena. Deixa eu sonhar e me deixe esquecer.
 Deixa eu enlouquecer, perder a cabeça de vez e depois me segura, com ou sem bronca, mas sem esquecer o beijinho de boa noite.
 Deixa eu ser e exercer meu direito de ser feliz e acreditar num amanhã mais tranquilo, mais contente, com gente de verdade que vive e deixa viver.

quarta-feira, 26 de março de 2014

I want to melt.

Meu corpo exala o cheiro do meu desejo enquanto me deleito com o seu toque. Cada vez mais você penetra meu ser com suas palavras ao pé do meu ouvido, o suspiro suave e ardente que me transporta para o núcleo em meu interior, este que faz escorrer o magma fervente da paixão pelas minhas pernas e me queima sem piedade. Mas quem disse que eu quero gelo? Eu quero mesmo é o calor, nosso calor, em todas as noites e dias enquanto você me pertencer. Então posso saborear teu corpo e juntá-lo ao meu diversas vezes, pois meu desejo é infinito. Eu quero tuas mãos, tua boca, em cada centímetro de mim. Quero teu suor misturado ao meu e o cansaço que vem logo em seguida. Quero devorar teu ser, consumir sua mente e levá-lo à loucura. Então, mais uma vez, ser levada ao êxtase que nos recompensa pelo ato e compartilhar com você o sono dos amantes.

segunda-feira, 10 de março de 2014

Eu, rio.


Passo correndo entre as pedras, debato-me nelas e levo alguns fragmentos.
Sou rio, deságuo, transbordo, me acabo.
Eu rio, risos fabricados, forçados, polidos.
Rio pra não chorar e não transbordar a barragem tão humildemente construída.
Sou rio, sorrio.

Sorrio e deságuo em seus braços, meus abraços frios buscando o calor do teu sol.
Sou rio espesso, finíssimo e sozinho.
Sou água, mas nesse caso lamacenta e cheia de pedras.

Sou rio que encontra o mar dos aflitos, concentração das lágrimas de todos os
que como eu são rio, sorriem, desaguam, desabam.
 Sou rio, sorrio e aguardo a chuva que se mistura às minhas águas e
confunde aos olhares o grau de minha amargura e afunda a minha profundidade.
Sou rio, limpo e sujo, raso e fundo, quente e frio. Sorrio.

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Você.


Você é um mistério. Ao te olhar não consigo achar um ponto onde fixar meu olhar. E quando te olho nos olhos, logo estes se afugentam. Então tento conversar, mas você não fala, recita. Suas palavras dançam no ar antes de me alcançar e me perco em seus significados mistos. Essa ambiguidade é proposital?
 Sendo assim, me lanço em seu jogo de palavras e imponho minha curiosidade sutilmente em nossa dança. Aos poucos vou descobrindo que a solidão que te assola é tão negra quanto a minha e sem perceber, em uma simples conversa, não estamos mais sós.

A essência de minha existência

Na vasta imensidão de meu ser e de tudo que posso/penso ser, prostro-me novamente a indagar sobre o que é real. Sou eu real? O que me torna mais real que um pensamento ou devaneio de uma mente distraída a encarar o horizonte?
 Embarco novamente em meu mar de subjetividade e afogo-me na busca desenfreada por respostas e,  como sempre, por não ter parâmetros para depositar e/ou comparar minhas descobertas tudo que encontro em mim perde-se e antes que eu perceba eis que novamente forma-se musgo em minhas ideias, largadas no fundo dessas águas salgadas de lágrimas. Sobra então a correnteza, em seu fluxo constante, de pensamentos que soam desconexos por conterem apenas parte do que realmente há lá no fundo.
 E será que pensamentos não existem só por não conterem forma, peso, nome ou cor? Não seriam todas estas coisas consequência do pensamento partilhado de uma massa? Então, percebo por fim, que não me importa o compartimento que me prende (eu, não a casca, a carne, mas a ideologia, o conjunto de pensamentos característicos que fazem de mim um ser).   O que importa é me fazer real, visível aos olhos da alma, presença que paira na mente e pousa no coração daqueles que despertam em mim o desejo de existir.